Relicitações aeroportuárias: reflexões sobre seu decurso temporal

O instituto da relicitação tomou forma no Brasil há pouco tempo, a partir da publicação da Lei Federal nº 13.448/2017 (“Lei de relicitação”). Em poucas palavras, trata-se de instituto que possibilita a extinção amigável de contratações públicas em vigor para os setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal, tendo como propósito essencial a continuidade na prestação dos serviços¹.

De acordo com as previsões legais, a relicitação permite ao concessionário que requereu a inclusão de seu contrato no Programa de Parcerias de Investimentos (“PPI”) a suspensão de novos investimentos a partir da assinatura do aditivo, e, ao mesmo tempo, determina a necessidade de manutenção do nível dos serviços prestados (artigo 15, II da Lei de relicitação). A ideia é permitir que o concessionário entregue antecipadamente a concessão sem que essa entrega implique na queda da qualidade dos serviços até então prestados.

São muitas as notícias, artigos e referências em que o tema ganha relevância, não só pelo seu potencial de influenciar diretamente o rumo de setores de infraestrutura vitais ao país, como também pela dificuldade que o modelo legal proposto tem apresentado para ser implementado na prática, especialmente no setor aeroportuário.

O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (“ASGA”) e o Aeroporto Internacional de Viracopos (“VCP”) requereram, ainda em 2020, a inclusão de seus contratos no processo de relicitação, tendo em vista as dificuldades financeiras de ambas as concessionárias na manutenção dos investimentos conforme modelagem proposta pela ANAC em 2011 e 2012, respectivamente. Apesar de a previsão legal indicar que o processo de relicitação deve ocorrer em 24 meses (artigo 20, §2º da Lei Federal nº 13.448/2017), até a presente data os referidos processos ainda se encontram em tramitação e análise perante o Tribunal de Contas da União (“TCU”)².

Alguns motivos podem explicar o atraso na análise e finalização dos processos de relicitação de ASGA e VCP, até o fato mais óbvio de serem estes os primeiros do setor. De fato, como qualquer instituto regulatório de inovada implementação, os primeiros modelos acabam auxiliando na condução dos processos de relicitação seguintes e podem implicar maior celeridade em suas conclusões. A título de exemplo, parece ser possível afirmar que o processo de relicitação do Aeroporto Internacional Tom Jobim (“GIG”) já demonstra uma curva de aprendizagem relevante, comparativamente às relicitações de ASGA e VCP, visto que o pedido de entrada no PPI ocorreu esse ano e já se encontra com aditivo assinado.

Mas esse não é o único aspecto que pode ser considerado para justificar o atraso e as dificuldades enfrentadas para implementação do instituto no setor aeroportuário. Alguns fatos podem ser rapidamente enumerados como elementos que trazem dificuldade na efetiva entrega das concessões atuais pelo modelo da relicitação: a indefinição sobre os valores indenizatórios incontroversos, com discussões eternas em torno de contratos com partes relacionadas; o pagamento de auditoria independente prevista contratualmente; indefinições acerca do momento no qual o cálculo indenizatório deverá ser concluído; divergência sobre os procedimentos do cálculo; se há ou não desconto de multas em discussão; dentre outros aspectos.

Além disso, a Instrução Normativa 81/2018 (“Instrução Normativa”), que dispõe sobre a fiscalização dos processos de desestatização pelo TCU, vem sendo aplicada para conduzir o processo de relicitação, que apresenta aspectos novos, particulares e não amoldáveis especificamente ao texto atual da norma. A inexistência de procedimentos de análise liminares, do estabelecimento de prazos máximos para análise do órgão e de definições quanto à avaliação dos cálculos da relicitação (que possuem complexidades específicas) são alguns desses aspectos que não constam da Instrução Normativa e seriam de importante regulamentação.

Apesar de serem temas relevantes para as partes envolvidas na discussão, é preciso atentar para a relevância e motivos pelos quais o instituto da relicitação foi concebido, sob o risco de os processos se delongarem além do essencial à manutenção do interesse público. As relicitações não podem se perpetuar indefinidamente e precisam estar alinhadas aos prazos dispostos no normativo aplicável.

É necessário garantir a segurança jurídica das concessionárias, que já demonstraram por meio do próprio requerimento de relicitação que não possuem mais interesse e condições em continuar com a contratação. Não cabe posicioná-las em situação de eterna espera, obrigando-as a continuarem prestando o serviço sem a mínima expectativa de prazo certo.

Por outro lado, deve-se considerar os prejuízos que a demora na conclusão do processo traz para o desenvolvimento dos aeroportos, que contam, desde a assinatura do termo aditivo até a assunção da nova concessionária, com a prestação de serviços unicamente essenciais e sem novos investimentos.

Os usuários também acabam sendo diretamente afetados, em razão da fragilidade econômica das concessionárias³, desde a possibilidade de as tarifas serem aumentadas até o impacto na qualidade do serviço e na manutenção dos níveis de segurança aeroportuária necessários.

Diante disso, faz-se importante refletir sobre algumas estratégias que tenham por fim favorecer a conclusão dos processos de relicitação em tempo adequado aos interesses público (Estado, sociedade, usuários) e privado (tanto concessionária antiga quanto nova). Dentre elas, é possível sugerir, por exemplo, a edição de normativo voltado à fiscalização dos procedimentos de relicitação no TCU, em razão do seu caráter único, ou a alteração da Instrução Normativa já em vigor, para adaptá-la às exigências da relicitação.

A alteração da Instrução Normativa já foi, inclusive, objeto de recomendação recente da SeinfraRodoviaAviação no processo de ASGA. As alterações podem passar: (i) pela criação de um sistema de urgência de análise em processos com relevância nacional como os de relicitação, em consonância ao que consta no artigo 5º da Lei Federal nº 13.334/20164, e (ii) pelo estabelecimento de prazo para análise do processo depois que ele chega ao gabinete do relator do caso no TCU, uma vez que tal prazo é inexistente e pode implicar maiores retardamentos na condução da análise.

Tais medidas podem tornar os procedimentos de relicitação mais céleres e alinhados à urgência de apreciação que o tema demanda, sem perder de vista a observância da legislação e o cumprimento dos requisitos técnicos cabíveis.


¹ ÁVILA, Natália; MOREIRA, Egon. Relicitação: a lógica jurídico-econômica por trás do instituto. Revista de Contratos Públicos, n. 30, ago. 2022, p. 70.

² Até o momento da presente publicação, o Processo nº 028.391/2020-9 (referente à ASGA) apresentou último andamento relevante em 24 de outubro de 2022. Na ocasião, a SeinfraRodoviaAviação juntou instrução aos autos, que foram encaminhados para pronunciamento do Ministro Aroldo Cedraz. Enquanto isso, o Processo nº 009.470/2020-4 (referente à VCP) apresentou último andamento relevante em 04 novembro de 2022, oportunidade na qual a Área Técnica recomendou que a SeinfraRodoviaAviação dê início às análises da relicitação no prazo de 75 dias.

³ Op. Cit., p. 70-71.

4 “Art. 5º Os projetos qualificados no PPI serão tratados como empreendimentos de interesse estratégico e terão prioridade nacional perante todos os agentes públicos nas esferas administrativa e controladora da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.