Cigarros eletrônicos: regulação e redução de danos no Brasil

Desde outubro, o Senado Federal discute o Projeto de Lei – PL nº 5008/2023, com normas específicas para tratar da produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos. Esses dispositivos, conhecidos como vaporizadores, vapes, pods, mods, e-cigarettes, e-cigs, cig-a-like e heat not burn (tabaco aquecido), têm sido tema de intenso debate no Brasil [1]

Embora, a rigor, a comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos sejam proibidas desde a publicação da Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 46/2009, pela ANVISA, a presença persistente desses produtos em tabacarias, lojas online e até mesmo com vendedores ambulantes evidencia a necessidade de uma revisão na abordagem regulatória. 

A proibição existente revela-se ineficaz, abrindo espaço para a ilegalidade e representando sérias ameaças à saúde pública. A ausência de regulamentação permite a venda de produtos irregulares, não sujeitos ao controle sanitário, expondo os consumidores ao risco de substâncias altamente tóxicas. Além disso, acarreta a circulação de dispositivos clandestinos, com embalagens deficientes na comunicação dos riscos associados ao consumo, especialmente no que diz respeito à proteção de menores de idade. 

De acordo com uma pesquisa do Instituto em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), em 2018, 500 mil pessoas utilizaram esses dispositivos, número que saltou para 2,2 milhões em 2022 [2]. Esse aumento é particularmente preocupante entre os adolescentes, com 16,8% dos jovens de 13 a 17 anos experimentando esses produtos, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2019 [3]. A proibição não impediu o aumento significativo do consumo de cigarros eletrônicos no país. 

Diferentemente do Brasil, mais de 80 países, incluindo o Reino Unido e os 27 países da União Europeia, optaram por regular os cigarros eletrônicos. Defensores da regulamentação argumentam que o uso desses dispositivos é uma ferramenta eficaz de redução de danos à saúde, quando comparada ao cigarro tradicional [1]

Pesquisadores do King’s College London [4] conduziram a maior revisão sobre o tema em 2022, concluindo que os cigarros eletrônicos podem ser 95% menos prejudiciais que os cigarros comuns e, até mesmo, têm potencial de servir de auxílio para pessoas que buscam parar de fumar – avaliação corroborada pelo Cochrane, uma rede internacional de saúde pública, publicada em setembro de 2023 [5]

Diante desse cenário, a postura brasileira de simplesmente proibir os cigarros eletrônicos pode realmente não ser a mais benéfica para a promoção da proteção da saúde pública. 

Na esteira desses acontecimentos, a ANVISA incluiu na pauta da 19ª Reunião Ordinária Pública da Diretoria Colegiada (‘ROP”) uma proposta de Consulta Pública para revisar a RDC nº 46/2009, que trata da proibição dos cigarros eletrônicos e similares. A votação ocorreu na última sexta-feira, dia 1.12.23, e é um ponto que merece nossa atenção. 

Durante a reunião, a ANVISA ratificou o Relatório Final de Impacto Regulatório, aprovado em julho de 2022, que recomenda a manutenção das proibições dos cigarros eletrônicos e similares no Brasil, acompanhada de medidas não normativas para aprimorar a fiscalização e conscientização da população sobre os riscos desses produtos, uma vez que os estudos realizados evidenciaram a falta de utilidade dos cigarros eletrônicos para a cessação do tabagismo, os riscos à saúde causados pela presença de nicotina, a falta de estudos de médio e longo prazo sobre os impactos à saúde, entre outros. 

O Diretor Presidente da ANVISA, Antonio Barra Torres, destacou que a discussão sobre o tema ainda é viva em muitos países e que a Agência não ficará refratária a nenhuma informação científica relevante. Contudo, alinhou seu voto com o Ministério da Saúde que, em 3 de outubro de 2023, manifestou-se a favor da manutenção das proibições da RDC nº 46/2009, citando a posição da OMS de que não há evidências de que os dispositivos são inofensivos à saúde e que estudos científicos sobre os impactos são escassos. 

Considerando todos esses aspectos, a proposta de Consulta Pública para revisar a proibição de cigarros eletrônicos no Brasil foi aprovada por unanimidade. Vale destacar que essa não é a versão final sobre o tema e ainda receberá contribuições da sociedade, o prazo de 60 dias. 

O debate sobre a regulamentação dos cigarros eletrônicos no país continua, e o cenário da saúde pública e a abordagem do Brasil em relação a esses produtos permanecem incertos. 


REFERÊNCIAS: 

[1] PROJETO DE LEI 5008/2023 – Justificativa. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/160523>. Acesso em 27.11.2023 

[2] JORNAL DA USP. Cigarros eletrônicos geram debate sobre sua eficácia no combate ao tabagismo. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/cigarros-eletronicos-geram-debate-sobre-sua-eficacia-no-combate-ao-tabagismo/>. Acesso em 29.11.2023 

[3] Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2019. O uso de cigarro, narguilé, cigarro eletrônico e outros indicadores do tabaco entre escolares brasileiros. Disponível em: <https://scielosp.org/article/rbepid/2022.v25/e220014/#> Acesso em 28.11.2023 

[4] PUBLIC HEALTH ENGLAND: E-cigarettes: an evidence update. Setembro de 2022. Disponível em: <https://www.kcl.ac.uk/archive/news/ioppn/records/2015/august/ecigarettes>. Acesso em 27.11.2023. 

[5] COCHRANE: E-cigarettes, varenicline and cytisine are the most effective stop-smoking aids, analysis of over 150,000 smokers reveals. 12 de setembro de 2023. Disponível em: <https://www.cochrane.org/news/e-cigarettes-varenicline-and-cytisine-are-most-effective-stop-smoking-aids-analysis-over-150000>. Acesso em 28.11.2023.